21/06/2016

Pescando em seco



Euphorbia piscatoria Aiton



Quase todas as plantas do género Euphorbia que são espontâneas em Portugal continental e no arquipélago dos Açores são herbáceas vivazes. Uma excepção é a Euphorbia pedroi, um endemismo arbustivo das escarpas e fissuras de rocha do Cabo Espichel que deixa cair as folhas no Verão. Nas ilhas da Madeira, Porto Santo e Desertas, em penhascos do litoral e até em altitudes mais elevadas no interior da Madeira e nos picos do Porto Santo, há uma outra espécie arbustiva que também se despe de folhagem nos meses mais quentes do ano, que é um endemismo destas ilhas e que colocámos hoje na montra.

A Euphorbia piscatoria é um arbusto suculento e glabro, muito ramificado, de copa arredondada e folhas linear-lanceoladas, com ápice agudo e margens amareladas, que se aglomeram nas extremidades dos ramos. Floresce entre Janeiro e Agosto e pode atingir quase dois metros de altura. Não sabemos se, além da proximidade morfológica e de preferência de habitat entre a Euphorbia piscatoria e a Euphorbia pedroi, ou entre aquela e as eufórbias arbustivas das ilhas Canárias e de Marrocos, há indícios de uma origem comum, africana ou mediterrânica, para estas grandes eufórbias das falésias litorais do arquipélago da Madeira e do continente português.

Bastante frequente no Porto Santo, recebeu o epíteto piscatoria em alusão ao uso do látex destas plantas para atordoar os peixes em covas de rocha à beira-mar, enchidas de água e peixe pela maré alta e esvaziadas da água à chegada da maré baixa. Desse modo, a pesca seria facilitada, embora não saibamos se isso afectaria a qualidade do pescado. Esta prática foi entretanto abandonada, o que talvez justifique a dificuldade em encontrar peixe fresco nos restaurantes do Porto Santo. A planta é conhecida em língua inglesa como fish-stunning spurge; em português chamam-lhe figeira-do-inferno.

A descrição da espécie é do botânico escocês William Aiton (1731-1793), que a menciona, em 1789, no catálogo (Hortus Kewensis) das plantas cultivadas nos Kew Gardens, de que foi director por trinta anos. Não consta que tenha estado na Madeira, mas terá decerto recebido muitas amostras botânicas dos inúmeros naturalistas britânicos que visitaram o arquipélago ou nele viveram ao longo do século dezoito.


Pico do Castelo, Porto Santo

1 comentário :

bea disse...

Obrigada pelas excelentes fotos e conhecimento sobre a flora da ilha de Porto Santo descrito com clareza e rigor cujo é bem provável que seja o único que terei.