01/12/2015

Doces são os campos


Nascente "tradicional" do rio Ebro, Fontibre, Cantábria
Um rio que nasce na Cantábria a 40 Km do Atlântico deveria lançar-se sem hesitações para norte, rompendo impetuosamente por montanhas e desfiladeiros. Cauteloso, porém, e sabendo dos obstáculos formidáveis que se lhe deparariam no trajecto mais curto, arrepia caminho e abala para sul — ou, mais exactamente, para sudeste. O seu destino, a mais de 900 Km de distância, é a costa catalã do Mediterrâneo, à qual se dirige correndo (se é que as barragens lhe permitem correr) numa linha paralela à cadeia montanhosa dos Pirenéus. Em lugar de se ver desprezado como pusilânime ao optar por tamanho desvio, o rio Ebro é de pronto alçado ao prestigioso Top Three dos rios ibéricos, juntando-se ao Douro/Duero e ao Tejo/Tajo: tem a segunda maior bacia hidrográfica (a seguir ao Douro) e é o segundo mais comprido (a seguir ao Tejo). Se nos restringirmos aos rios exclusivamente espanhóis, ocupa incontestado o primeiro lugar do pódio. E a perda desse estatuto é uma razão ponderosa — que, talvez por distracção, não tem sido evocada pelas partes em confronto — para que a Catalunha nunca se torne independente.

Em Fontibre, no lugar onde o rio emerge do subsolo, há uma coluna de pedra a que se acede por um caminho calcetado e por um lanço de sete degraus, tudo com muita sombra de freixos e de padreiros. O rio assume de imediato uma pose de maturidade, recusando ser um fio de água que se vence num salto, e ninguém diria, depois da primeira curva, a uns vinte ou trinta metros de distância, que se trata de um recém-nascido. Esse crescimento instantâneo atraiu desconfianças e averiguações, sabendo-se hoje que o Ebro não nasce precisamente ali, mas numa das vertentes do Pico Tres Mares, e com o nome de rio Híjar. A dada altura do seu breve curso, o rio Híjar perde grande parte do caudal por infiltração no solo. As águas que lhe são bruscamente subtraídas reaparecem à superfície em Fontibre para formar o Ebro; e as que lhe sobram após o parcial esvaziamento têm igual destino quando o Híjar se junta ao Ebro, desta vez à luz do dia, uns 10 Km a leste.



Filipendula ulmaria (L.) Maxim.


O bosque que envolve a nascente tradicional do Ebro surge-nos à primeira vista como um asséptico parque de merendas, com relva cuidadosamente aparada e caminhos que até senhoras com salto alto percorreriam sem tropeçar. Não parece ser local onde um botânico amador possa com proveito dedicar-se ao seu passatempo favorito. Tudo muda, contudo, se nos afastamos da nascente e seguimos pelos caminhos de terra batida entre o arvoredo. Deixa de se fazer limpeza à escovinha e as herbáceas no sub-bosque são autorizadas a despontar: Anacamptis pyramidalis e outras orquídeas já secas, Sanicula europaea, Astrantia major, Primula veris, Helleborus viridis, etc. Junto à água, como é seu costume, reencontramos uma planta que no norte de Espanha é frequente, mas que em Portugal só vimos, e nunca em flor, em Trás-os-Montes e nas margens do rio Minho.

A Filipendula ulmaria, essa erva altaneira (até 2 metros de altura) que é chamada de rainha-dos-prados ou coisa equivalente em diversas línguas, e em inglês é docemente apelidada de meadowsweet, não se pode queixar de falta de reconhecimento. Largamente distribuída pela Europa e pelo extremo ocidental da Ásia, à beleza e à fragrância junta a utilidade, pois foi a partir do ácido salicílico dela extraído que se iniciou no final do século XIX a produção da aspirina. As suas pequenas flores, semelhantes às de outras rosáceas como a cerejeira e a amendoeira, e dispostas em grandes panículas que lembram flocos de algodão, aparecem de Junho a Agosto. A segunda espécie europeia do género, Filipendula vulgaris, também cognominada rainha-dos-prados mas devendo mais propriamente, pelo menor tamanho, ser chamada de princesa, tem uma distribuição mais ampla em Portugal, surgindo desde Trás-os-Montes até à Estremadura. Distingue-se pelas folhas mais estreitas e divididas, e pelas flores maiores mas menos numerosas.

3 comentários :

bea disse...

O que aqui se aprende. A filipendula é afinal o princípio da aspirina e o consequente fim de algumas dores de cabeça. Que há as que nenhuma filipendula cura. E é bem mais bonitinha que a versão portuguesa. Paciência, cada um é ele e pronto.

jj.amarante disse...

As suas fotografias estão cada vez melhores. E a última das 8 fotos deste post, o conjunto de flores brancas sobre fundo escuro, é mesmo muito bonita!

ZG disse...

Belo post, muito informativo!!