11/07/2015

Feto orelhudo

Asplenium auritum Sw.

O estudo da flora açoriana atravessa um período de grande animação: há endemismos que deixam de o ser (um exemplo é a "Marsilea azorica" — que, sabe-se hoje, é na verdade a M. hirsuta e tem origem australiana), outros que não o eram mas passam a sê-lo (como o Centaurium scilloides e o Solidago azorica, antes chamado Solidago sempervirens), e outros ainda que, mantendo-se como endemismos do arquipélago, vêem a sua posição taxonómica alterada (como o Polypodium azoricum, cujo nome correcto é agora P. macaronesicum subsp. azoricum). Das recentes novidades taxonómicas, a que mais nos entusiasmou é a que vem proposta no artigo A revision of the genus Leontodon (Asteraceae) in the Azores based on morphological and molecular evidence, da autoria, entre outros, de Mónica Moura & Luís Silva, publicado em Maio de 2015 na revista Phytotaxa. Concluem os autores que são três e não duas as espécies de patalugo (como são popularmente conhecidos os Leontodon açorianos) endémicas dos Açores, e que elas se distribuem com uma lógica inatacável pelos três grupos do arquipélago: o patalugo-maior (Leontodon filii) é exclusivo do grupo central, mas o patalugo-menor, que se diferencia por ter uma inflorescência em umbela com um número muito grande de capítulos, teve de ser desdobrado em duas espécies, já que as plantas de São Miguel são morfológica e geneticamente distintas das do grupo ocidental (Flores & Corvo). Estas últimas pertencem agora à espécie Leontodon hochstetteri M. Moura & L. Silva, ficando o Leontodon rigens a constituir um endemismo de uma única ilha, a de São Miguel.

Os fetos, que são parte tão importante da flora açoriana, trazem-nos aquela que é de todas a melhor notícia, ilustrada pelas fotos que encabeçam o texto. Não se trata de uma mudança de estatuto ou de dar novo nome a algo já conhecido, mas sim de uma descoberta genuína. O Asplenium auritum existe numa única localidade da ilha das Flores e, assim o defendem os autores do artigo em que a novidade é reportada [Asplenium auritum Sw. sensu lato (Aspleniaceae: Pteridophyta) — an overlooked neotropical fern native to the Azores, F.J. Rumsey, H. Schaefer & M. Carine, Fern Gazette 19(7), 2014], é nativo do arquipélago. Ainda que até 2008 ninguém tenha dado por ele ou notado a sua peculiaridade, o herbário do Museu de História Natural, em Londres, guarda exemplares deste feto colhidos nas Flores em duas ocasiões (em 1857 por Henri Drouet, e em 1967 por C. M. Ward) mas erradamente identificados. A parte menos boa da história é que a população do Asplenium auritum nas Flores é muito reduzida, não excedendo os 50 indivíduos. Vive sobre velhos muros ladeando caminhos rurais por entre antigos campos de cultivo, hoje em dia completamente invadidos pela árvore-do-incenso (Pittosporum undulatum). Não o incomoda a densíssima sombra fornecida por esse bosque adulterado, mas a sua condenação parece certa se alguém se lembrar de recuperar os caminhos ou de desbastar a vegetação.

Para quem se habituou a observar fetos, o Asplenium auritum é bastante distintivo, embora seja inegável a sua semelhança geral com o A. bilottii e o A. onopteris, ambos presentes e relativamente comuns no arquipélago. No entanto, as frondes do Asplenium auritum são menos divididas e, ao contrário das do A. bilottii, têm um formato distintamente triangular; além disso, as pinas inferiores exibem aurículas que estão ausentes nas outras duas espécies.

O Asplenium auritum apresenta duas grandes áreas de distribuição: a América tropical (incluindo Caraíbas) e parte da costa leste do continente africano (incluindo Zimbabwe, Moçambique, Congo e Madagáscar). Contudo, a sua variabilidade é muito grande e a taxonomia está mal resolvida: é provável que várias espécies diferentes tenham sido agrupadas sob esse nome, com as plantas açorianas a assemelharem-se mais às americanas do que às africanas. Não é porém de descartar, segundo os autores do artigo, que o (chamemos-lhe assim à falta de melhor nome) Asplenium auritum dos Açores seja uma espécie nova, resultando então num novo acrescento à cada vez mais numerosa lista de endemismos insulares. Em todo o caso, e isso reforça a importância da descoberta, é a primeira vez que o Asplenium auritum ou um seu parente próximo são detectados nos Açores, na Macaronésia ou até na Europa.


Fajã Grande, ilha das Flores

2 comentários :

ZG disse...

Excelente post sobre os asplénios açóricos e também um óptimo artigo sobre os já nossos conhecidos e simpáticos patalugos!!

bea disse...

A minha ignorância quase asseguraria que já os tive no quintal. Terão sido outros. Mas eram bem agradáveis à vista.