30/06/2015

Uma questão de saias

Há uns anos, na revista de domingo do jornal Público, pudemos ler um artigo sobre Paredes de Coura e os seus inúmeros atractivos. Além da paisagem e da gastronomia de raiz minhota, com vários arrozes, a lampreia e o famoso leite-creme, falava-se também de uma planta, o Narcissus cyclamineus, de flores de um amarelo peculiar e de trombeta longa, que coloriria em Abril as margens do rio Coura. Talvez animados por reportagens como esta, alguns sócios da Daffodil Society, que só conheciam as variedades criadas em hortos, resolveram procurar populações silvestres deste narciso. Começaram por visitar a Galiza — onde não avistaram nem um para amostra. Seguiram esperançados para o Minho, mas não encontraram quaisquer indícios das pequenas flores amarelas a cabecear. Decepcionados, voltaram para Inglaterra convencidos de que o Narcissus cyclamineus estaria extinto na natureza.

Como sabem, este narciso é um endemismo do noroeste da Península Ibérica que, embora protegido por lei, está ameaçado pela degradação dos cursos de água e prados vizinhos; mas ainda não está extinto. A sua distribuição conhecida restringe-se aos lameiros banhados pela água fresca do rio Coura e afluentes (onde ocorrem populações de milhares de indivíduos graças a um programa de conservação desta espécie cujo sucesso se deve sobretudo à colaboração dos donos dos prados húmidos e do gado que ali pasta), às serras do Caramulo e da Freita, e às margens do rio Ferreira em Valongo; em Espanha só há registos da sua presença na Galiza.

Tempos depois, estes incondicionais fãs ingleses do narciso-de-trombeta descobriram o engano: a floração não decorre em Março ou Abril, mas no início de Fevereiro. Curiosamente, para evitarem a desilusão, bastaria terem reparado que um dos nomes vulgares atribuídos pelos horticultores ingleses às variantes de jardim do N. cyclamineus é precisamente February Gold. Pacientemente, esperaram poder regressar anos mais tarde no mês certo, e rejubilaram com as muitas espécies de Narcissus que nascem em Portugal, tendo até encontrado exemplares de Narcissus x caramulensis, um híbrido natural entre o N. bulbocodium e o N. cyclamineus.


rio Teixeira
Pois bem, em Fevereiro deste ano, vimos uma população de N. cyclamineus numas ilhotas arenosas do rio Teixeira, perto de São Pedro do Sul. Conhecendo exemplares deste narciso de três locais tão distantes, notámos o que pode ser uma diferença morfológica constante nas flores. Talvez o leitor retire também algum divertimento em repetir connosco este exercício de comparação. Trata-se do remate da coroa (o tubo cilíndrico da flor). O rebordo deste saiote é crenado nos três exemplares das fotos que se seguem. Contudo, nos espécimes de Valongo essas indentações são irregulares, enquanto que, nos martelinhos do Minho e os da Beira Litoral, os entalhes parecem ter sido feitos por mão mais certeira. E, nos exemplares do rio Coura, esse enfeite final é bem menos acentuado do que nos do rio Teixeira, em que as coroas têm a extremidade distintamente alargada. É possível que tal divergência tenha uma componente genética, consistente com o isolamento das populações, mas terão de ser os especialistas a confirmá-lo.


Narcissus cyclamineus DC. — rio Coura, Vila Nova de Cerveira


Narcissus cyclamineus DC. — rio Ferreira, Valongo


Narcissus cyclamineus DC. — rio Teixeira, Manhouce, São Pedro do Sul

2 comentários :

ZG disse...

Mais um post bem interessante, sobre belíssimos narcisos!!

Anónimo disse...

Lindo lindo. Manhouce é granito que tão bem fica no amarelo!
Abçs da bettips