30/05/2015

Encontro das águas (1.ª parte)


Bolboschoenus maritimus (L.) Palla


Como criaturas terrestres, incapazes de sobreviver debaixo de água sem equipamento apropriado por mais que dois ou três minutos, a nossa atracção pelo mar talvez seja explicada pela inveja. Afinal, os bichos e plantas do mar têm à sua disposição um mundo muito mais vasto do que o nosso. E assim passamos as nossas férias, de olhos postos na grandeza inacessível do oceano, ignorando os mistérios banais da terra firme nas nossas costas. Recusamos o que nos é natural em favor daquilo que não podemos alcançar, e ficamos encravados na fronteira entre dois mundos, mais limitados nos nossos movimentos do que todas as descomplexadas criaturas do mar e da terra.

Embora, por certo, sejamos únicos no modo voluntário como a ele nos submetemos, não estamos sozinhos nesse aperto. Iniciamos aqui uma curta (e intermitente) série sobre as plantas que vivem no encontro das águas, naquela fronteira movediça onde a água doce dos rios que terminam o seu curso é temperada pelo sal das marés. Essas areias lodosas, ricas em nutrientes, são bem diferentes das areias limpas e enxutas que os veraneantes gostam de pisar com os pés descalços; se atraem gente, são pescadores à cata de marisco. A vegetação cerrada e algo agressiva, dominada por aquilo a que, sem grande precisão, chamamos juncos, não sobressai pelo colorido, ainda que possa haver excepções. Aos juncos e afins, o vento basta-lhes como polinizador, por isso não há flores recheadas com néctar, e os insectos que se entretenham noutras paragens.

É quase inevitável que o nosso primeiro «junco», fotografado no (chamemos-lhe assim) juncal da foz do Coura, em Caminha, não o seja de verdade. Contudo, se traduzirmos do grego o nome genérico Bolboschoenus, obtemos qualquer coisa como junco-bolboso, o que se explica por a planta apresentar rizomas intumescidos semelhantes a bolbos. Em contraste com as flores claramente individualizadas dos legítmos juncos, o Bolboschoenus tem as flores (ou florículos) dispostos em espigueta: são as estruturas sésseis, de formato elipsoidal e de um tom castanho carregado, que se podem observar na terceira foto aí em cima. Herbácea vivaz que por vezes ultrapassa 1 m de altura e que floresce desde a Primavera até ao Outono, o junco-bolboso está presente em regiões temperadas de todos os continentes e em boa parte do litoral da Península Ibérica. Acontece-lhe por vezes optar por uma dieta sem sal, seguindo então por algum rio acima até se instalar longe da costa. As suas ligações familiares, se o afastam dos juncos, aproximam-no dos cárices (género Carex) de que há tempos aqui falámos.

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