20/12/2014

Os pés da cama

Clinopodium vulgare L.
O estranho título aí em cima é uma tradução à letra da palavra grega Clinopodium, nome que, desde a antiguidade, terá sido dado a esta planta porque as suas flores dispostas em patamares fariam lembrar os pés daquelas camas muito enfeitadas pela arte dos marceneiros. A comparação é forçada, mas nisto de nomes de plantas há sempre quem puxe pela cabeça num esforço quase redentor de justificação, como se a botânica aspirasse ao rigor das ciências exactas. Em qualquer caso, são essas densas e regulares aglomerações de flores que nos ajudam a diferenciar o clinopódio, muito vulgar em clareiras de bosques e de matas na metade norte do país, da ainda mais vulgar Calamintha nepeta, em que as flores não se encostam de modo tão friorento umas às outras. Outra diferença está nas folhas: as do Clinopodium tendem a ser lanceoladas, enquanto que as da Calamintha são mais largas, quase triangulares. E, para quem não esteja constipado, o olfacto fornece um tira-teimas infalível, já que o Clinopodium é quase inodoro e a Calamintha deita um forte perfume algures entre menta e orégão.

Amplamente distribuído no hemisfério norte, nativo de quatro continentes e de muitas mais ilhas, naturalizado na Austrália e na Nova Zelândia, o Clinopodium vulgare é uma das plantas do nosso dia a dia que há mais de 250 anos mantêm os nomes com que Lineu, o pai da taxonomia, as baptizou. Neste caso, porém, não foram poucas as tentativas de destronar o binómio lineano: uma lista muito incompleta de sinónimos inclui nomes tão variados como Acinos vulgaris, Calamintha clinopodium, Faucibarba clinopodium, Melissa vulgaris, Satureja clinopodium e Thymus clinopodium. Tamanha inflação nomenclatural não se explica pela vontade de contrariar Lineu, nem pelas variações morfológicas, afinal pequenas, a que uma planta cosmopolita como esta está sujeita ao passar de um continente para outro. A dificuldade está mesmo em arrumá-la dentro da família das lamiáceas, por revelar traços comuns a muitos outros géneros, vários deles (como Satureja, Thymus ou Melissa) bem menos controversos do que o género Clinopodium. A mesma indefinição e consequente profusão de nomes marcaram o percurso taxonómico da Calamintha nepeta, mas aí Lineu perdeu a disputa com a posteridade, pois o nome por ele escolhido, Melissa nepeta, é hoje de todo obsoleto.

Embora, pelo seu défice oloroso, o clinopódio não deva ser chamado de erva aromática, é certo que infusões com as suas folhas são usadas em medicina popular. Erva melífera com créditos firmados, florescendo desde a Primavera até ao Outono, é à grande capacidade de atrair abelhas e demais polinizadores que deve o seu sucesso reprodutivo.

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