13/09/2014

As grafonolas do Porto Pim


Faial: praia do Porto Pim

O cronista Gaspar Frutuoso (1522-1591) faz menção ao Porto Pim no sexto livro das suas Saudades da Terra por ser então o melhor porto das ilhas, excepto quando o vento sudoeste o fustigava. De facto, é uma enseada larga de areia escura, em costa rasa, a formar uma praia extensa como não é frequente encontrar nos Açores. Confirmámos como é batida por ventania, que levanta a areia fina e incomodaria os apreciadores de praia se acaso por lá estivesse algum. No topo do morro que emoldura o porto resta algum do património imóvel da família Dabney na Horta; por perto está uma antiga fábrica, hoje felizmente só museu, de produtos baleeiros e, mais adiante, um centro de interpretação para os turistas aprenderem o que é, e como vive, uma baleia. Ao contrário das praias de pedra viva, ou biscoito, em cujos interstícios encontramos muitas plantas (azorinas, camarinhas, lótus, cubres, miosótis, eufórbias, fetos, etc.) e inúmeros ninhos, as areias de Porto Pim são quase um deserto. Com atenção, porém, descobrimos que mora ali uma planta rara, a que os ingleses chamam beach morning-glory.



Ipomoea imperati (Vahl) Griseb.


Lembra certa trepadeira roxa que é invasora no continente e ilhas, pertence ao mesmo género e tem origem na América trópical e talvez na região mediterrânica. Aprecia sítios expostos junto ao mar, tem hábito rastejante e dá-se bem nas dunas primárias. Poderia confundir-se com a prima Calystegia soldanella, mas a distinção entre elas é fácil até pelas folhas. A grafonola açoriana tem flores em geral solitárias, com duas brácteas sésseis no pecíolo de cada flor, que a mantêm erecta, um cálice de cinco sépalas e uma corola branca tubular, com um centro amarelo ou manchado de púrpura. Abrem ao nascer do sol e murcham na tarde do mesmo dia.

A primeira citação desta espécie nos Açores é de Watson (1843-44) e o registo é precisamente do Porto Pim. Em 1932, Tutin e Warburg encontram-na na ilha do Pico, num só local próximo da Madalena e, em 1973, Hansen e Pinto da Silva referem duas outras localizações, desta vez na ilha Terceira. Para esta escassez há muitas conjecturas. Primeiro, as raízes podem afastar-se até 2 metros do centro da planta mas não são muito profundas, por isso não sobrevivem a temporais que movimentem demasiado as areias na costa; além disso, apesar da proximidade ao mar, esta é uma planta terrestre cujas sementes têm pouca viabilidade se ficarem submersas por um período longo; finalmente, parece que os insectos polinizadores, que utilizam a corola como plataforma de pouso e têm de se empinar, de costas, para lamber o néctar no fundo do cálice, receiam os perigos de uma tal exposição e preferem as grafonolas de cores escuras que lhes dão melhor camuflagem. Se juntarmos a isto o facto de esta planta não se auto-fertilizar, e o infortúnio de as plantas novas não vingarem junto das adultas, entendemos como é pequena a produção de sementes e ineficiente a sua dissseminação. Resta acrescentar que também é rara na Madeira (foi anunciada em 2002 uma população numa praia de Porto Santo) e que, ao que se sabe, ocorre num só local em Cabo Verde.

O nome imperati refere-se ao boticário italiano Ferrante Imperato (1550-1625), viajante incansável e autor de uma Historia Naturale.

3 comentários :

ZG disse...

É curioso, lembro-me do Porto Pim (lindo nome!!) mas não desta bela Ipomoea!!
Aliás até lá visitei um pequeno museu marítimo...

Rafael Carvalho disse...

Ipomoea foi hoje o meu jantar!
Não me refiro evidentemente à grafonola açoreana. Jantei batata-doce (Ipomoea batatas) da minha horta. Nesta planta tudo se aproveita - com as flores faz-se esparregado; o tubérculo come-se cozido, frito ou assado.
Cumprimentos.

bea disse...

Beach morning-glory que nome poético! E que a flor nasça e morra no mesmo dia, contribui; que seja de tão difícil polinização e rareie, só lhe aumenta o interesse.
Mas as flores roxas, as que proliferam pelo continente e outros lugares, também são lindas.