04/08/2013

Fitogeografia


Spergularia azorica (Kindb.) Lebel



Nos verões de 1894 e de 1896, o botânico norte-americano William Trelease (1857-1945), então director do Jardim Botânico do Missouri, visitou as ilhas açorianas numa expedição que também previa a colecta de sementes ou plantas para este jardim. A localização das ilhas era suficientemente remota para que as expectativas quanto a novidades botânicas fossem elevadas. Ali encontraria um habitat isolado, pensou, como a Madeira ou os Galápagos, com um clima favorável à coexistência de vegetação de montanha (nos picos, quase sempre escondidos por nevoeiro e chuva) e de beira-mar (com plantas adaptadas às falésias, ao farelo de pedra vulcânica e às praias de calhau rolado), com alguma flora tropical à mistura.

Trelease publica em 1897 as notas desta viagem, a que junta uma listagem pormenorizada da flora que encontrou nas nove ilhas (e da que, não tendo encontrado, foi descrita pelos seus antecessores). O tom geral é de desapontamento. As ilhas eram afinal frequentemente visitadas por navios da Europa e da América do Norte, e mesmo entre as ilhas mais a ocidente (Flores e Corvo) e as mais orientais (São Miguel e Santa Maria) circulavam demasiadas embarcações para haver diferenças nas respectivas floras. Além disso, a agricultura intensiva (com as vinhas destruídas por doenças, plantava-se milho, batata e batata doce, e cultivavam-se frutos como a banana e o já famoso ananás), os pastos com forragem europeia (por a julgarem melhor do que a nativa) e a invasão da flora exótica (já então o Hedichium gardnerianum liderava as hostes invasoras) pouco espaço deixavam para a flora endémica. Segundo Trelease, esta estaria refugiada em locais de difícil acesso, a salvo de coelhos e cabras mas desse modo também inacessível aos botânicos. Havia os líquenes, é certo, e muitas novas espécies de fungos para nomear, mas não eram esses os objectos do seu estudo. Seguindo a tendência de então, Trelease parecia empenhado em confirmar a teoria de Darwin e queria estudar a adaptação das plantas europeias ou americanas ao habitat açoriano, muito ventoso, extremamente húmido e de influência marítima. Todavia, em Botanical Observations of the Azores, Trelease informa que as ilhas eram demasiado jovens para se notarem indícios da selecção natural: só em Santa Maria eram conhecidos fósseis e só lá não havia vulcões com actividade recente.

A Spergularia azorica foi uma das plantas que Trelease viu floridas, e em todas as ilhas. Começou por se chamar Lepigonum azoricum, nome que o botânico sueco Nils Conrad Kindberg (1832-1910) lhe deu em 1863. Em 1868, o francês Jacques Eugène Lebel (1801-1878) colocou-a no género Spergularia e confirmou-lhe o estatuto de endemismo açoriano. Trelease prefere designá-la Spergularia macrorhiza, seguindo o botânico inglês H. C. Watson (1804-1881), que visitou os Açores em 1840 e a nomeara oficialmente em 1868 (depois de uma outra ida às ilhas em 1865 com o entomologista Frederick du Cane Godman (1834-1919)). Trelease nota como esta planta, exposta a derrocadas e vendavais, parece em harmonia com o ambiente: talos robustos, com que se agarra às arribas; hábito prostrado e aninhado nas reentrâncias rochosas de falésias ou escoadas de lava; uma penugem densa a agasalhá-la; flores grandes (muito maiores do que nas outras plantas do mesmo género) e bem abertas, com o néctar acessível aos polinizadores; e sementes, com uma asa rudimentar, que se disseminam pelo vento.

Santa Maria, onde vimos populações abundantes desta planta, pertence hoje à lista das Zonas Especiais de Conservação (ZEC), e a Spergularia azorica é uma das espécies da flora açoriana listadas no anexo II da Directiva Habitats, na companhia da Azorina vidalii e do Lotus azoricus.

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