21/09/2012

Macho arrepiado

Dryopteris crispifolia Rasbach, Reichst. & G. Vida


Nisto de fetos há uma tradição, que remonta a Lineu, de distinguir machos e fêmeas, numa separação de todo fantasiosa que não se baseia no papel de cada um na reprodução por via sexual. O feto-fêmea (Athryium filix-femina) não tem comércio com o feto-macho (Dryopteris filix-mas) e, mesmo que tivesse, dificilmente tal interacção daria origem a uma nova planta. Com todas estas ressalvas, e na ausência de nomes comuns em português para a maioria das espécies, dá jeito tratar todos os fetos do género Dryopteris, em geral plantas de envergadura respeitável que vivem em bosques e lugares húmidos, pelo nome de feto-macho. Ao endemismo açoriano de que hoje nos ocupamos, com as suas folhas retorcidas, assenta bem a designação de feto-macho-arrepiado. A temperatura nas ilhas não justifica, em geral, aspecto tão friorento, mas o nosso feto, que ocorre em apenas cinco ilhas (São Miguel, Terceira, Pico, Faial e Flores), prefere as altitudes mais elevadas, acima dos 350 metros. E nas Flores, ultrapassada a fasquia dos 600 m de altitude, o Inverno pode acontecer em qualquer dia do ano. Curiosamente, o outro feto crispado que já por aqui passou, Cryptogramma crispa, é uma especialidade de alta montanha, o que reforça a ideia de que, tanto num como noutro caso, os arrepios que afligem as folhas são uma reacção às baixas temperaturas.

Salvo pelo seu aspecto peculiar do anonimato em que, por inépcia nossa, se perdem grande parte dos fetos açorianos, do Dryopteris crispifolia podemos garantir que é presença assídua nas florestas liliputianas de zimbro com turfeira que preenchem a zona central da ilha das Flores. Mesmo o turista que se apeia do seu carro para a visita obrigatória ao miradouro das lagoas tê-lo-ia em abundância à mão de fotografar, caso as ditas lagoas, uma escura e redonda e a outra azul e estreita, não lhe monopolizassem a atenção.

Com frondes triangulares de não mais que 90 cm de comprimento, dispostas em tufos, o feto-macho-arrepiado aparece em ravinas e bosques naturais mas também, ocasionalmente, em antigas plantações de criptomérias.

Lagoa Negra e Lagoa Comprida — ilha das Flores

1 comentário :

ZG disse...

Uma verdadeira maravilha, a Ilha das Flores, assim como os belos e viçosos fetos - só é pena nunca a ter visitado...