31/07/2012

Eufórbia almendrada

Euphorbia amygdaloides L.


Em Portugal, a jardinagem, uma arte que nunca teve muitos entusiastas, encontra-se ameaçada de extinção. Nos escassos jardins públicos temos árvores rodeadas por relvados de recorte mais ou menos geométrico; nos melhores casos, há ainda os canteiros onde as flores sazonais são regularmente substituídas. Mas falta diversidade, falta cor, e só as árvores que se despem e vestem dão notícia do passar das estações. Os jardins particulares, aqueles que não se resumem a uma palmeira enfeitando uma alcatifa suspeitosamente verde, abastecem-se sem critério das últimas novidades holandesas no garden center.

Sem uma tradição continuada, sem ter criado raízes na nossa cultura, é de esperar que a pouca jardinagem por cá praticada não tenha registado grande evolução conceptual desde o século XIX. Tal como nessa época, as plantas nativas são desprezadas em favor das espécies exóticas. Além da melhor adaptação ao nosso clima, com a consequente poupança em rega e outros cuidados, as nossas plantas, afinal tão bonitas como quaisquer outras, poderiam dar personalidade aos nossos jardins. Numa época em que é tão fácil viajar, o melhor incentivo para visitar um local é o que ele tem de único e genuíno. Os jardins das nossas cidades, que hoje em dia só são originais pelo desmazelo e falta de gosto, poderiam atrair forasteiros se ostentassem uma boa amostra de plantas nativas.

Este triste panorama geral é contrariado por um número crescente de excepções. Por exemplo, existe no Douro um jardim autóctone, de que só tenho conhecimento virtual, onde todas as plantas foram adquiridas a custo zero em bermas de estrada, charcos e outros lugares desprezados. Oxalá o exemplo frutifique. Melhor ainda seria (como faz a empresa Sigmetum) que os centros de jardinagem propagassem essas mesmas plantas e as pusessem à venda a um público conhecedor.

A eufórbia de hoje pertence àquele grupo de plantas da nossa flora que nós não cultivamos mas que, graças às suas qualidades ornamentais, frequentam hortos e jardins de outros países. O que faz a diferença da Euphorbia amygdaloides é a sua bonita folhagem escura (que Lineu terá considerado semelhante à da amendoeira, e daí o epíteto amygdaloides) e a sua silhueta elegante, com hastes vermelhas de cerca de 90 cm rematadas por inflorescências alongadas. É uma planta perene, com rizoma lenhoso e rastejante, que vive em lugares sombrios perto de linhas de água, e que é mais frequente no norte do país. A planta das fotos morava na orla de um lameiro minhoto, fazendo companhia a uma das maiores populações portuguesas de narciso-trombeta.

8 comentários :

Rafael Carvalho disse...

Fico reconhecido pela referência.
Cumprimentos.

Teresa Domingues disse...

Eu tive um viveiro de plantas mediterrânicas. Tinha um punhado de clientes entusiastas, mas não chegou para sobreviver. Tive que fechar. O interessante é que as pessoas ficavam fascinadas pelas eufórbias, quando as viam em flor. Não somos, portanto, um caso perdido :)

Fernanda Delgado do Nascimento disse...

Olá Paulo,
Gosto muito dos seus comentarios. São sempre bem observados e as observações muito justas.

Olá Teresa Domingues,
Gostei de a voltar a encontrar. Todos os dias me lembro de si quando olho para os meus alecrins, alfazemas e outras plantas que adquiri no seu VIVEIRO dos ROSMANINHOS. Pena que tenha fechado antes e eu poder adquirir outras espécies mediterranicas que não é possivel encontrar em mais nenhum viveiro. Um abraço

Paulo Araújo disse...

A referência ao seu jardim é mais do que justa, Rafael. Adorava que houvesse muito mais experiências como a sua.

Teresa e Fernanda:
Obrigado pelos comentários. É uma honra que o blogue sirva de anfitrião a tão feliz reencontro. Enquanto houver gente com gosto e vontade, há sempre esperança (apesar dos percalços) para a causa das plantas nativas em jardinagem.

Carlos M. Silva disse...

Olá
Confesso que tendo-a por casa(apenas num dos campos e apenas numa parte dele)nunca a transplantei para fazer companhia a uma outra,bem mais pequena,que amiúde surge sem aviso.Pode ser que siga a sugestão aqui dada; de todo o modo obrigado pelas informações que este post me proporcionou.

Cumprimentos
Carlos M. Silva

Anónimo disse...

É muito bonito ler os comentários ao desprezo autóctone, saber de outras ideias... Lembro-me (quando havia um pequeno jardim há que anos) de trazer plantas com raiz dos sítios húmidos, dos pinhais, das minas de água, e ter um canteiro só com elas (as dedaleiras também!!!). Pois até os miosótis e os agriões eram plantados num rego de água que saía de um tanque/poço. Os canteiros eram delimitados por seixos da praia - o que dava uma trabalheira a trazer e, nessa adolescência antiga, não me agradava lá muito... Enfim, fiquei com o bichinho das pedras e árvores!
As "almendradas" terão a ver com o sítio onde está o cromeleque dos Almendres? Só uma associação de ideias. Abçs para vós da bettips

Paulo Araújo disse...

Bem-vinda a este canto, Bettips, e obrigado pelo comentário. Chamei eufórbia-almendrada à planta porque o seu nome científico se refere à amendoeira. E "almendrados" (palavra que os dicionários não registam) são os biscoitos de amêndoa que todos nós conhecemos.
Abraço,
Paulo

Teresa Domingues disse...

Obrigada, Fernanda, é bom saber isso :)

Obrigada, Paulo. Sim, penso que as sementes da jardinagem com plantas nativas estão aí, prontas a germinar.

Embora já não trabalhe em jardinagem, para mim é inspirador, e encorajador ver trabalhos como o de Piet Oudolf, que usa plantas nativas, serem internacionalmente reconhecidos. Quem sabe alguém começa a fazer o mesmo cá e a moda pega...