06/06/2011

Dobram cá como lá

Hyacinthoides non-scripta (L.) Chouard ex Rothm. — fotografado no planalto de Castro Laboreiro

A Nova Flora de Portugal, de João do Amaral Franco (1921-2009), foi publicada em três volumes (o último deles dividido em três fascículos e em co-autoria com Maria da Luz Rocha Afonso) ao longo de mais de 30 anos: o primeiro volume da obra apareceu em 1971; o terceiro fascículo do terceiro volume só viu o prelo em 2003, seis anos antes da morte do autor. É sina de tais obras de longo curso acusarem já alguma obsolescência no momento em que são completadas. Compilar a flora de um país ou de um continente é tarefa intrinsecamente interminável e, em condições ideais, deverá estar sob permanente revisão; adequa-se melhor aos formatos digitais modernos do que à imutabilidade do livro impresso.

A monumental obra de Franco foi, durante mais de vinte anos, a principal referência dos botânicos portugueses, fossem eles profissionais ou amadores. Vai deixando de o ser à medida que o projecto da Flora Ibérica, uma obra de muito maior envergadura, se aproxima da conclusão. Mas a Flora Ibérica é uma empreitada colectiva, que agrega os maiores especialistas, espanhóis e portugueses, em cada família botânica — entre eles o próprio João do Amaral Franco, que escreveu sobre coníferas e fagáceas.

Uma das omissões mais misteriosas da Nova Flora de Portugal ocorre no 1.º fascículo do volume III: na opinião de Franco e da sua co-autora Rocha Afonso, os tão britânicos bluebells (de seu nome científico Hyacinthoides non-scripta) não fazem parte da flora portuguesa. Sucede que a espécie, longe de ser no nosso país uma raridade vegetando em lugares recônditos e inacessíveis, é até frequente em prados e carvalhais em todo o planalto de Castro Laboreiro. Nos campos abandonados da aldeia de Pontes chega a formar os tapetes azuis que julgaríamos exclusivos de outras latitudes. E o património florístico do único Parque Nacional português há muitos anos que vem sendo exaustivamente estudado pelos nossos naturalistas.

Como se justifica tamanho lapso dos autores da Nova Flora de Portugal? A explicação mais plausível é que se tenham baseado exclusivamente em material de herbário, usando chaves interpretativas que não estabelecem uma separação clara entre o Hyacinthoides non-scripta e o Hyacinthoides hispanica. De facto, a distinção mais segura entre as duas espécies, e que não deixa qualquer dúvida a quem observa as plantas na natureza, faz-se pela forma das flores: as do H. hispanica têm a corola aberta, enquanto que as do H. non-scripta a têm tubular; e só no segundo é que as pétalas se recurvam distintamente sobre si próprias.

Não nos fica bem negar cidadania portuguesa a planta tão bonita. É por isso importante bradar aos quatro ventos que os sinos azuis tanto dobram em Portugal como na ilha de Sua Majestade.

4 comentários :

ZG disse...

Mais uma maravilha!!!

Luz disse...

Linda!

bettips disse...

"Não perguntes por quem os sinos dobram..."
em tantos lados.
Olhemos flores, chãos.
Abç

Carlos Aguiar disse...

Excelente post. Importante.