11/08/2009

Lobélia-brava


Lobelia urens L.

Desde que me conhecera, Anna [Mahler] queria promover um encontro meu com seu jovem professor, Fritz Wotruba. (...) Quando entrei no ateliê e Anna disse meu nome, ele estava de costas para mim e não se levantou. Não retirou os dedos da argila, continuou a moldá-la. Ainda de joelhos, voltou a cabeça em minha direção e disse, numa voz profunda, encorpada: "O senhor também se ajoelha diante de seu trabalho?"

Elias Canetti, O jogo dos olhos (1985; trad. Sergio Tellaroli)

O ritual inicia-se com um aceno de cabeça e um esgar sorridente que confirma o interesse em fotografar. Segue-se uma dança em torno da planta para avaliar o miolo e as sombras. Depois de escolhida a objectiva, há que estabelecer a distância útil entre o olho que espreita e a forma que se exibe. É nesse momento que ele se ajoelha se a herbácea tem, como esta, uns 20 cm de altura e corolas de 1 cm de diâmetro - e eu espero vê-la requebrar os quadris com elegância e compor um trejeito de modelo em sessão fotográfica. Clic, e a flor, ávida por cumprir a estação, só morrerá nas explicações dos compêndios de botânica.

Porém, esta espécie de Lobelia, uma entre as duas europeias, apesar de pouco exigente quanto a nutrientes, está em perigo de extinção. Na Grã-Bretanha decorre há cerca de uma década um programa de recuperação que procura evitar perturbações demasiado agressivas no solo associadas à gestão de terrenos florestais onde esta planta se instalou.

Nas lobélias as componentes masculinas da flor desenvolvem-se antes das femininas para evitar a auto-polinização: o estilete não está receptivo quando o pólen da mesma flor já amadureceu. De facto, engenhosamente, cada antera (parte masculina, com o pólen) forma um tubo no fundo do qual nasce o estilete que empurra o pólen para o exterior até este se esgotar (levado por abelhas, ou colibris nas espécies americanas, para outros pés de flor); só então os estigmas (topo feminino do estilete) se abrem. Como consequência, a flor parece em postura invertida, rodada de 180 graus.

A designação lobélia-brava alude ao carácter silvestre mas também ao efeito tormentoso, que a palavra urens resume, que deixa nas entranhas de quem a consome: as folhas contêm um sumo acre, e a planta é tóxica, se ingerida em grandes quantidades, com efeitos semelhantes aos da nicotina. Apesar disso, em espanhol concedem-lhe um nome mais simpático, cardenala, talvez porque os lóbulos superiores lembrem os chapéus dos cardeais ou as poupas de certos pássaros (da família Upupidae, claro).

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