05/04/2007

"De magnólias e camélias"

JN de 5 de Abril
por Hélder Pacheco , Professor e escritor

«No seu belo livro de saudades, "Regressos", Manuel Teixeira-Gomes, no exílio em Bougie, escreveu "Que aroma me lembra o Porto? (...) O heliotropo, morno e lento." Nunca entendi tal evocação do grande prosador relativamente ao Burgo. Onde e como teria retido a imagem e o cheiro do girassol num espaço onde é tão pouco comum? Mas como as recordações são livres, respeitemos a escolha.

Confesso que, desde os tempos do calção, os cheiros que me vêm à lembrança são os das tílias, no Palácio, o das magnólias, em Santa Clara. Sobretudo estas, pintando o largo de flocos de neve, no ar, no céu, nos milhares de pétalas caídas no chão. Apesar da vizinhança do Aljube, mal a Primavera despontava, o ambiente tornava-se inebriante. Também a magnólia da Praça, nos Congregados, além de espantar os olhos, cheirava bem.

Digo cheirava - particípio passado - pois não sei se tal acontece agora da mesma maneira. Quando passo debaixo das magnólias, ponho-me a sorver o ar imaginando que sim, que ainda cheira. Mas não tenho a certeza. Ou é da globalização, do efeito de estufa, do monóxido de carbono ou do meu olfacto que já não é o que era. Nem a Avenida das Tílias odora, como dantes, aquele perfume subtil que impregnava o sítio. Culpa minha, certamente.

Mas que certas ruas se tornam, com as magnólias floridas, ainda mais bonitas quando a Primavera começa a dar sinais é evidente. Sobretudo para quem andar por aí, com olhos de caçador não da sordidez urbana mas daquilo que ainda vai tornando a cidade habitável e poética. E não posso deixar de elogiar o esforço dos Serviços de Ambiente na plantação dessas magnólias brancas ou vagamente púrpuras, a pender para o roxo, que nos enfeitiçam pelo tom de alacridade que transmitem à urbe.

E, no alvoroço de Verão antecipado com que, este ano, o malfadado Inverno se despediu, foi a cidade brindada com a Exposição de Camélias que, após anos de vil apagamento, parece ter regressado, espero que definitivamente. Não podia ser de outro modo na terra proclamada "a "pátria delas" e tornara-se incompreensível o desleixo, desinteresse e menosprezo por tão brilhantes tradições portuenses - a flor e a sua exposição anual.

Aliás, por não ser, talvez, cosmopolita conforme os padrões pós-provincianos que nos regem, a camélia não teve lugar nessa cintilante manifestação de eruditismo chamada Porto 2001. E arriscou-se a cair em tanto esquecimento que os nossos vizinhos do lado já andavam a fazer mais, num par de anos, pela divulgação e protecção da "rosa japónica", do que a sua pátria adoptiva, em muitos.

Desmentindo as vozes catastróficas e cemiteriais sobre a abulia, o deserto e o quase zero de energia com que ornamentam os discursos sobre a cidade, a Exposição valeu como referendo sobre o que atrai, interessa e motiva o público. De facto, associando as camélias ao Palácio do Freixo, há muito que não se juntavam multidões assim, para visitar um local soberbo e contemplar a flor irresistível. O que significa a apetência e a disponibilidade de milhares de pessoas para manifestações para elas atractivas. E também que os comissários para as minorias activas e subsidiadas nada entendem sobre os gostos do público nem sobre o que se entende por oferta cultural para a democracia (quero dizer, para a maioria).»

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