05/02/2007

A oliveira da discórdia

A milagrosa e bem amada Oliveira da Praça tornou-se num pomo de discórdia entre o Presidente da Câmara Municipal, que quis arrumá-la para um canto, junto à Rua de S. Maria («tornando-se indispensável ao acabamento do calcetamento a remoção desta árvore e sua cercadura»), e o Prior da Colegiada, que insistia que o «Cabido não pode, nem deve consentir na intentada remoção». Para impor a sua vontade, a Câmara teve que recorrer ao último recurso: a expropriação pública, que deu entrada na Secretaria do Reino em Junho de 1871.

Na sua representação, a Câmara argumentava que a Oliveira só tinha estado lá 45 anos, sendo ela estaca da grande e levantada oliveira que vinha documentada desde 1662, mas cujas origens remontavam a tempos mais remotos.
«Diz que a oliveira é um obstáculo ao trânsito mas falta-se aqui à verdade porque de um e de outro lado dela há um espaço suficiente para o trânsito tanto a pé como em carros, e com efeito, existindo sempre ali a oliveira desde a mais remota antiguidade, nunca ninguém se queixou.» O Cabido apelou ao Rei, advertindo «que o público muito há-de sentir se vir arrancar a Oliveira que a Câmara quer expropriar. É tal a veneração por ela que as pessoas da cidade e seus subúrbios, quando vão para o Brasil, cortam um ramo da Oliveira e levam-no consigo; e, no dia 15 de Agosto, dia em que se festeja Nossa Senhora, os mesários e irmãos assistem à festa tendo cortado um ramo da sobredita oliveira.» O inquérito denegou a expropriação por não ter provado «concludentemente a utilidade de expropriação ou dificuldade de trânsito, que se tomou como fundamento dela, e são desmentidos pelos documentos juntos aos autos».

O que não se conseguia fazer por meios legais tentou-se fazer por traiçoeiro golpe de machado. «No dia 09-02-1870, às duas horas da madrugada, foi derrubado o polígono que circundava a oliveira»; tentativa frustrada pelo ajudante de sacristia, que, «ao ouvir o bater das alavancas, disse "lá vai a oliveira c'os diabos" e foi tocar o sino a moribundo. Os pedreiros, logo à primeira badalada, cuidando que iam tocar a rebate, fugiram e alguns deles adoeceram com o susto». O autor moral do crime, o Presidente da Câmara, teve de se recolher na casa do escrivão, sendo vaiado pelo mulherio. A segunda tentativa de arboricídio resultou. «A célebre oliveira da Praça que andava nas asas da fama em razão do conflito que se havia levantado entre o Cabido e a Câmara de Guimarães, apareceu na madrugada de quarta-feira separada do tronco» [O Vimaranense, 13-11-1872]. Mais tarde, com licença camarária, tentou-se reimplantar outra oliveira, no lugar indicado.
«A nova árvore já não encontrava no humo da terra aquela seiva espiritual que fez, durante séculos, venerável e sagrada a Oliveira da Praça. Razão porque a nova oliveira não pegara.»

Anthony Kinnon, Guimarães século XIX - de Vila a Cidade (ed. do autor, 2006)
[extracto enviado por Alexandre Leite]

Outra oliveira em Guimarães

2 comentários :

cätita disse...

olá, esta oliveira já tem uma grande história e tradição. Eu tinha encontrado um texto muito engraçado sobre a origem desta oliveira e como é que surgiu nesta praça...dia 1 de Fevereiro no http://bolinhas-d-sabao.blogspot.com/.
bjs*rita

Anónimo disse...

Cidadão inglês escreve obra sobre a história da cidade (por Joaquim Forte, Lisa Soares)no JN

«Anthony Kinnon já está a pensar na "sequela" da sua primeira obra

Um inglês, nascido nos arredores de Londres, em 1954, é o autor do livro "Guimarães, século XIX de vila a cidade". Um volume com 160 páginas, mais de 130 imagens (fotografias, gravuras, desenhos e plantas), que retrata um século de mudanças. O que distingue o livro, explica o autor, Anthony Kinnon, "é a visão, diferente da dos vimaranenses. "É a visão de alguém do exterior, o olhar de quem está desligado", não obstante as raízes criadas em Guimarães. Anthony Kinnon quis apresentar uma "leitura diferente da visão académica dos historiadores, algo com fácil leitura".

O autor não é um forasteiro. Vive em Guimarães desde 1989 (altura em que chegou para dar aulas de Inglês), tendo casado com uma vimaranense. Com formação na área da História, desde logo se interessou pelos aspectos ligados ao passado da cidade adoptiva, tendo colaborado na tradução para inglês de alguns livros sobre essa temática.

Projecto em suporte CD

O projecto deste livro, conta o autor, começou a ganhar forma em 2000, mas com muitas diferenças. Inicialmente, adianta, a ideia era lançar um documento em suporte CD, em quatro línguas, para ser distribuído aos visitantes. Só que, explica o autor, "o orçamento começou a assemelhar-se muito à folha de vencimentos do Luís Figo e tive de desistir".

Optou, então, por aproveitar o trabalho feito e convertê-lo num livro, que pensou em lançar em 2003, por altura dos 150 anos da elevação de Guimarães a cidade. Faltaram os apoios. Finalmente, a suas expensas, o livro vê a luz do dia. "É uma espécie de catarse. Tinha que me libertar disto, que tinha comigo há vários anos", explica.

O lançamento, sem data marcada, deve ocorrer no início de Dezembro, na Sociedade Martins Sarmento, instituição que surge associada à aventura. Foi lá que Anthony consultou grande parte do material sobre Guimarães. "Foi interessante poder contactar com o português arcaico. De alguma forma, aproxima-se mais do inglês", conta.

O livro está à venda nas livrarias. Custa 18 euros. Está dividido em nove capítulos, distribuídos por 160 páginas. Tem 130 gravuras, entre fotografias, plantas e desenhos.

Começa pelo despontar do século, passando pelo impacto sobre Guimarães das invasões napoleónicas; pela luta entre liberais e miguelistas. A reabilitação urbana, a afirmação cívica, as artes e ofícios e um olhar sobre a última década do século são outros dos capítulos desta obra.»