28/02/2017

Madeira Fern Fest (4)


Notholaena marantae subsp. subcordata (Sw.) C. Presl


Abandonando por momentos os ambientes húmidos do interior da ilha, descemos à soalheira costa sul da Madeira. Embora o senso comum associe os fetos à presença da água, a verdade é que, na Madeira como em toda a parte, também os há em lugares secos, aproveitando as bolsas de solo nos interstícios das rochas ou de velhos muros de basalto. Esses fetos xerófitos, com uma apetência quase suicida pela luz solar, têm porém uma fraqueza, que é o de se encarquilharem todos na estação seca. Mostram-se de peito feito para enfrentar o sol, mas encolhem-se quando o sol escalda. O seu seguro de vida é a capacidade de reverdecerem com o regresso da humidade: as folhas amarfanhadas, na aparência totalmente secas, têm uma capacidade de regeneração de fazer inveja a Cristo ressuscitado. (Veja-se nesta página a extraordinária recuperação de uma douradinha — Asplenium ceterach — em apenas 24 horas.)

Graças a essa vulnerabilidade que é sobretudo uma forma de defesa, os fetos xerófitos no continente só costumam observar-se em boas condições na metade mais fresca do ano. Na Madeira, apesar de situada mais a sul, o efeito temperador do oceano faz com que a estação quente não seja tão extremada. E as plantas que vivem frente ao mar, como o feto que hoje apresentamos, beneficiam diariamente de um suplemento de humidade trazido pela neblina. Para quem sobrevive com tão pouca água, essa condensação pode bastar para que as folhas (ou boa parte delas) se mantenham verdes mesmo no Verão. Apesar de o termos fotografado em Dezembro, é provável que este feto não estivesse menos fotogénico no pico de Agosto.

A Notholaena marantae distribui-se por todos os países do sul da Europa, no norte de África fica-se por Marrocos, e alcança ainda a Turquia, os Himalaias e o Iémen. Também ocorre no arquipélago das Canárias e na ilha da Madeira, mas sob uma forma peculiar (subespécie subcordata), que se distingue da forma continental (subsp. marantae) pelo maior tamanho das frondes, e pelo maior número de pinas e de pínulas em cada pina. (Nas fotos acima, em especial na terceira, o leitor pode verificar que as pinas têm amiúde 9 ou 10 pares de pínulas, enquanto que na N. marantae do continente — veja aqui ou aqui — têm no máximo 5 ou 6.) De resto, ambas as subespécies têm a face inferior das pinas revestidas por escamas arruivadas e a face superior lustrosa, como que envernizada. Quanto ao tamanho, as frondes da subsp. subcordata podem chegar aos 45 cm de comprimento, mas as da subespécie marantae não ultrapassam os 35 cm.

Outra coisa em que as duas subespécies divergem é na ecologia. No continente não existem as rochas basálticas, ou os muros do mesmo material, onde se acolhe o feto madeirense. Mesmo que existissem, é improvável que servissem de morada à N. marantae subsp. marantae, reconhecidamente picuinhas na escolha de habitat: em Portugal (e, com raras excepções, ao longo de toda a sua distribuição europeia) só lhe servem os afloramentos ultrabásicos, o que limita a sua presença por cá a uns escassos lugares em Trás-os-Montes. Em contraste, como na ilha o que não falta é basalto, a N. marantae subsp. subcordata dispõe na Madeira de inúmeros possíveis habitats. É fácil de encontrar na costa sudoeste, nos muros ladeando as veredas íngremes que eram a única ligação entre os povoados antes de se rasgarem as modernas estradas.

2 comentários :

Fátima Isabel disse...

Fico feliz por finalmente nos terem visitado e à espera de muitos mais posts da Madeira e Porto Santo. Agradeço todo o vosso trabalho; há muitos anos que os acompanho ora diariamente ora nem tanto. O vosso é de facto um serviço cívico. Bem ajam.

Paulo Araújo disse...

Obrigado pelo comentário, Fátima. A nossa série madeirense ainda terá pelo menos mais uma dezena de fascículos - o que, ao ritmo a que publicamos agora, nos ocupará durante dois meses. Como já andámos por Porto Santo (confira aqui), algumas das plantas madeirenses que teríamos para mostrar tiveram já a sua vez. A verdade é que não visitámos a Madeira na estação mais favorável, e daí a insistência nos fetos. Mas é bom termos motivos para voltar à ilha.