10/01/2015

Alfazema cabeçuda


Lavandula stoechas L.
Gostar de plantas espontâneas é um passatempo solitário, tão desligado da vivência urbana como da vida ancestral das nossas aldeias. O camponês tradicional não é um naturalista nem preza especialmente as flores silvestres, sobretudo quando elas insistem em ocupar, às vezes de forma avassaladora, os terrenos cultivados de onde tira o seu sustento. Os pássaros que debicam cereais e frutos também não lhe são especialmente simpáticos. A natureza é para ser desbastada e vencida, não para ser admirada num estado de embevecimento só possível a quem não sabe o que a vida custa. Dar nome às plantas inúteis ou "daninhas" que crescem em montes e vales é uma ideia que só pode ocorrer a citadinos ociosos. E, ainda assim, a um tipo especial de citadino ocioso de que em Portugal há escassos representantes, daí a nossa solidão que esta partilha virtual não disfarça nem ameniza.

Até que chega a altura de falar do rosmaninho, e então sentimo-nos em comunhão com o país urbano e o país rural, unindo a linda serra da neve a brilhar com a rua do Capelão cantada por Amália. O mesmo arbusto elegante e aromático que cobria, com as suas espigas de flores roxas e folhagem verde-prateada, os cerros pedregosos em volta da aldeia (à qual se jurou nunca mais voltar) acompanhou a migração para as grandes cidades, enfeitando de igual modo canteiros urbanos e quintais nos subúrbios. Nas prateleiras dos supermercados alinham-se sabonetes, detergentes e ambientadores perfumados com lavanda, rosmaninho ou alfazema: três nomes para a mesma coisa, prova de como uma língua reflecte os amores e predilecções de um povo.

No meio de tudo isto houve algumas substituições, porque nem todas as lavandas são iguais, e aquelas que são mais cultivadas em jardins e mais usadas na indústria de perfumaria, que são a Lavandula angustifolia e a L. dentata, nem sequer ocorrem naturalmente no nosso território, ficando-se a primeira pela metade leste da Península Ibérica e não indo a segunda além da costa mediterrânica. As nossas lavandas não lhes são nada inferiores em perfume ou beleza, mas não podem competir em prestígio com aquelas que o garden center importa de França ou sabe-se lá de onde. Dito isto, esclareça-se que no nosso país há quatro espécies nativas de Lavandula, duas de distribuição restrita (L. multifida na serra de Arrábida, L. viridis no Algarve e Baixo Alentejo) e duas outras, L. pedunculata e L. stoechas, que quase fazem o pleno das províncias portuguesas. Estas duas últimas são muito parecidas, a ponto de alguns autores terem considerado que a L. pedunculata não seria mais que uma subespécie da L. stoechas. Ambas correspondem à ideia tradicional de rosmaninho, com as inflorescências compactas coroadas por vistosos penachos cor-de-rosa. Ainda assim, a L. stoechas, que é a menos frequente das duas, distingue-se com facilidade por ter as folhas um pouco mais largas, a inflorescência mais comprida, e sobretudo um pedúnculo que em geral é mais curto do que a inflorescência. Por contraste, a L. pedunculata, fazendo jus ao nome, tem um pedúnculo muito comprido, nunca menos que duas vezes o comprimento da inflorescência.

A Lavandula stoechas das imagens foi fotografada no maciço calcário de Sicó, perto de Pombal, onde estava bem acompanhada pelas suas iguais. Dir-se-ia que, apesar da preferência por solos ácidos ou neutros que lhe é imputada, esta espécie de lavanda não é de grandes esquisitices quanto ao pH do solo.

1 comentário :

Paulo disse...

A lavandula multifida também existe no concelho de Mértola, pelo menos.