02/09/2013

Longe do paraíso

Anthericum liliago L.
Do paraíso em forma de planta já nos devia bastar a Paradisea que, entre Maio e Junho, enfeita profusamente os lameiros do Gerês. Mas a notícia da existência de uma outra versão da planta, em modelo mais compacto, com menos flores e folhas mais estreitas, e de um modo geral menos vistoso, lançou-nos na habitual busca ao mesmo tempo fútil e recompensadora. Que poderá haver de mais inútil e improdutivo do que admirar uma planta de todos os possíveis ângulos, fotografá-la e deixá-la no exacto local onde a tivermos encontrado? E que poderá haver de mais consolador, pelo que tem de afirmação de liberdade, do que ocupar o tempo com tarefas improdutivas?

Isto é a doutrina geral, cuja aplicação a casos concretos nem sempre é tão exaltante. Procurar uma planta e não a encontrar combina de modo desagradável o inútil económico com o inútil de facto, ainda mais quando a busca decorre em lugar que, na paisagem e na diversidade vegetal, pouco tem para mostrar. Não é bem esse o caso da Queimadela, em Armamar. Aqui, em vez de vinhas, são pomares de macieiras que preenchem os montes, com algumas cerejeiras e restos de antigos soutos à mistura. Há pinhais e zonas de mato mediterrânico a separar as árvores de fruto plantadas em rigoroso alinhamento. Como é habitual na região duriense, o uso de químicos é desvairado, raramente escapando a vegetação de berma de estrada. Os matos e pinhais diminuem de ano para ano com a expansão dos pomares. É tão fácil apontar o que está errado que nos espantamos quando, contas feitas no final, apuramos um saldo altamente positivo para a nossa visita. O pinhal ao fundo da ladeira afirmou-se pela fotogenia, a roselha (Cistus crispus, uma surpresa) tinha flores irresistíveis, as cerejas estavam deliciosas, havia orquídeas raras e outras nem tanto — e, longe da Paradisea, num caminho de terra gretado pelo sol, apresentou-se-nos um único Anthericum liliago com uma única flor aberta (e outro a espreitar no meio do mato). A penúria explica-se certamente pela data tardia em que visitámos o local; mas não sabemos se o atraso foi de semanas ou de anos, e se em 2014 ainda haverá alguma planta para ver.

O populoso género Anthericum, com cerca de 300 espécies maioritariamente africanas, tem no A. liliago, espécie que ocorre em grande parte da Europa (desde a Península Ibérica à Turquia e à Suécia), o seu único representante na flora portuguesa. É uma planta vivaz, que floresce entre Junho e Julho, com folhas lineares, exclusivamente basais, e um escapo de não mais que 70 cm de altura hasteando 6 a 8 flores brancas com pedúnculos bem desenvolvidos (os da Paradisea lusitanica são notoriamente mais curtos). Em Portugal é uma rara moradora de encostas rochosas e clareiras de matos na bacia do Alto Douro.

6 comentários :

Rafael Carvalho disse...

Ora eu que moro na freguesia ao lado, e ainda não me tinha cruzado com esta beleza!
Cumprimentos.

Paulo Araújo disse...

Caro Rafael:
A planta deve ser muito escassa na região e o seu aparecimento é efémero. Se alguma vez quiser procurá-la, escreva-nos (dias.com.arvores(at)sapo.pt) que nós indicamos o local exacto onde a vimos. Era bom encontrar uma população mais numerosa.
Saudações,
Paulo Araújo

bea disse...

O caminho que vemos no meio de mato, apetece. Deve ter cheiros a terra e arbustos e, mesmo que se não se encontre o procurado, há-de haver tudo o que não é ele. Que, como diz a narração, é muito.
Obrigada.

ZG disse...

Parece-me que também conheço essa estação... Penso que a orquídea mais rara das redondezas será a Platanthera bifolia...

Paulo Araújo disse...

Sim, a orquídea rara é mesmo essa; a outra, que chega a ser abundante, é a Orchis morio.

ZG disse...

E suponho que também lá se encontra a Orchis champagneuxii ou afim...