13/10/2012

Cães & frutos

Scrophularia canina L.


A associação entre o Senecio jacobaea e a borboleta Tyria jacobaeae, cujas larvas consomem vorazmente as flores e a folhagem desta asterácea, especialmente quando ainda tenra, constitui um meio biológico de controlar a disseminação da planta e parece só lhe trazer dissabores. Contudo, o exemplo da S. canina sugere que talvez haja, ou venha a existir, um acordo com vantagens mútuas.

O insecto Cionus scrophulariae (um gorgulho) alimenta-se das folhas de algumas espécies do género Scrophularia, e pode provocar-lhe grandes estragos. Porém, o uso que faz desta planta não se resume a comê-la: as larvas são guardadas em casulos dispostos nos caules, disfarçando-se de frutos, com que se parecem, e conseguindo assim escapar a alguns predadores. Neste período, a planta recupera da comezaina dos progenitores mas, quando termina a metamorfose e as lagartas finalmente irrompem, sofre novo desaire com o desbaste. Há porém um pequeno desfasamento neste processo de que a planta tira proveito: quando as larvas são depositadas, a planta ainda está em flor, e os polinizadores, atraídos pelo néctar, inevitavelmente reparam nos casulos castanhos, transparentes e brilhantes como gotas de resina (mas não hermeticamente fechadas, têm uns furinhos por onde entra o ar). Ora, este é alimento muito apreciado pelas crias das vespas, que o recolhem sem parcimónia e transportam até aos ninhos. Dessa forma, não apenas há mais polinizadores interessados na planta, como ela se livra de parte do problema. Naturalmente, este ardil só se justifica se a planta for perene, e há alguma evidência de que esta batalha com os predadores pode levar as espécies atacadas a mudarem o seu ciclo anual, tornando-se vivazes.

O nome comum escrófularia-menor explica-se por as flores serem muito menores do que as de outras espécies de Scrophularia, embora semelhantes em tudo o resto: desabotoam entre Março e Julho, agrupam-se em panículas e têm brácteas rudimentares, lobos do cálice arredondados, corola púrpura e estames com anteras violáceas. Embora a maioria das espécies prefira bosques e lugares de sombra perto de cursos de água, há até as que habitam dunas no litoral e a S. canina dá-se bem em sítios pedregosos e leitos secos, encontrando-se em areais costeiros formas de transição entre ela e a S. frutescens. A esta última, frequente ao longo da costa e com flores quase iguais às da S. canina mas de folhas coriáceas, poderíamos chamar escrofulária-das-dunas.

Scrophularia frutescens L.
Os exemplares de S. canina que vimos estavam junto a uma pedreira desactivada na zona calcária da serra de Aire, a cerca de 300 m de altitude. São arbustos pequenos, glabros, de caules estriados, folhas inferiores bastante divididas, as superiores trilobadas e um pouco menos exuberantes. Os frutos parecem nozes de casca lisa com uma abertura mucronada. A Flora Ibérica distingue duas subespécies, a S. canina subsp. canina e a S. canina subsp. ramosissima, mas por cá não há registo da segunda, que é nativa da região mediterrânica. A primeira é espontânea no centro e sul da Europa, parte de África e Ásia e ilhas Baleares.

Não sabemos o que surgiu primeiro, se o nome vernacular escrofulária-de-cão, sugerindo que a planta ajuda a tratar maleitas destes animais, ou Scrophularia canina, cujo epíteto específico pode, como dissemos, também significar menor.

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