20/10/2011

Na serra a contar botões

Jasione crispa (Pourr.) Samp.

Na falta de novas espécies para descobrir, um botânico especializado na flora europeia não tem outro remédio senão dar novos nomes a espécies já há muito conhecidas. Entenda-se, porém, que este jogo não pode ser praticado de modo arbitrário, pois uma das regras da taxonomia botânica impõe que a primeira descrição publicada de uma dada planta é a que vale. Mesmo que o nome original resulte de um equívoco (como sucede, por exemplo, com o Cupressus lusitanica, que não é português mas sim mexicano), ninguém tem direito a mudá-lo só por essa razão. Mas já é legítimo propor uma nova designação se se descobrir, por exemplo, que uma planta que se julgava pertencer a uma certa espécie é na verdade diferente daquela à qual esse nome primeiramente se aplicou. Dentro daqueles géneros botânicos em que as fronteiras entre espécies estão mal definidas, existindo múltiplas formas que exibem caracteres intermédios entre duas ou mais espécies, o jogo de recombinações é potencialmente interminável, e é raro encontrar dois especialistas que tenham a mesma opinião.

O género Jasione é um dos mais problemáticos na Península Ibérica. A espécie mais comum de norte a sul do país é a J. montana: é esse o botão-azul que floresce durante toda a Primavera e Verão e enfeita prados, montanhas e bermas de estrada. Nas dunas do litoral norte aparece uma versão mais compacta e rasteira da mesma planta: trata-se da J. maritima, que em tempos foi considerada uma simples variedade da J. montana. Subindo às montanhas do norte e do centro, o caso complica-se, pois há registo de duas espécies, J. crispa e J. sessiliflora, que vivem a altitudes elevadas em fissuras de rochas ou em cascalheiras. A distinção entre as duas é problemática, e João do Amaral Franco, na Nova Flora de Portugal, considera a segunda como subespécie da primeira. Das quatro subespécies de J. crispa que Franco enumera, o revisor do género Jasione na Flora Ibérica só mantém a subespécie mariana; mas, para compensar, cria três novas subespécies. Na opinião de Franco, as plantas da serra da Estrela seriam justamente J. crispa subsp. mariana; contudo, de acordo com a Flora Ibérica, tal subespécie não existe em Portugal; a única que por aqui há, e precisamente na serra da Estrela, é J. crispa subsp. crispa. Para enredar ainda mais o trama, Jan Jansen, no seu Geobotanical guide of the Serra da Estrela (2002), fala da J. crispa subsp. centralis, de que nenhuma das outras duas obras de referência dá notícia.

Parece pois avisado abstermo-nos de emitir opinião sobre o assunto. A planta acima retratada deve ser a Jasione crispa, mas é preferível não arriscarmos qual a subespécie. Pode até dar-se o caso de ser a Jasione sessiliflora, pois, contrariando a opinião de Franco, há quem sustente que essa espécie ocorre na serra da Estrela. Porém, os caracteres morfológicos que é possível observar nas fotos (em particular a forma e a disposição das brácteas florais) apontam mais para J. crispa. Em ambas as espécies as raízes são lenhosas e as rosetas de folhas formam almofadinhas compactas que ajudam a resguardar a planta do frio, do vento e da neve.

4 comentários :

Carlos M. Silva disse...

Olá Paulo
Muito antes de começar a 'colecionar' fotos de plantas e de outras coisas, que vi/fotografei a J. montana. Aliás, cheguei a tentar transplantá-la, uma única vez, de uma 'bouça' minha para casa só por causa das borboletas;não resultou!!
Esta de que falas aqui, até agora, só junto ao Douro a vi/fotografei e pareceu-me diferente da J. montana;e na busca encontrei este nome que lhe dás; agora de subespécies e de mudança de nomes não faço a mínima. Mas como dizes e tb venho descobrindo por v/ intermédio,a taxonomia parece ser tão volúvel como o neutrino!
Carlos Silva

Paulo Araújo disse...

Olá Carlos

É verdade, estas plantas são mesmo muito frequentadas por borboletas. Uma planta da mesma família, igualmente espontânea em Portugal (há por exemplo no Porto, em Massarelos, no paredão do rio), de que as borboletas também gostam muito é o Trachelium caeruleum.

Carlos M. Silva disse...

Olá
Conheci essa de que falas em 2010 só em Sintra (e no J. Bot. Coimbra). E quando em Sintra, por que se pendurava em muros estive tentado em trazer um exemplar, mas desisti por causa desse mesmo hábito trepador; não é fácil arranjar um muro assim velho por que os que existiam ou foram substituídos ou estão 'calefetados'!!
Quando a consegui identificar (num livrito interessante de um amador de Sintra) estranhei que a família fosse a mesma..mas para um leigo..tudo é estranho!
Abraço
Carlos Silva

Anónimo disse...

É uma queixa frequente entre utilizadores da taxonomia que os taxónomos se entreteem a mudar os nomes. Como se fosse por cupidez, ego ou falta de que fazer. Pelo contrário, o que se pretende é expurgar a nomenclatura de inconsistências e estabilizar o sistema. Também não é verdade que já não haja espécies novas por descrever na Europa. Jasione crispa (Pourr.) Samp. subsp. centralis (Rivas Mart.) Tutin -- Bot. J. Linn. Soc. 67(3): 278 (1973)é um bom táxone e devia ser considerado. A taxonomia é difícil.

JCapelo