24/12/2009

Jasmineiro-do-monte


Jasminum fruticans L.

O telégrafo deixara de funcionar; ou fora a atmosfera que deixara de funcionar, o que naquelas circunstâncias dava igual. Halípio escreveu uma mensagem com um novo pedido de socorro, colocou-a numa garrafa, selou-a e lançou-a ao mar. A garrafa não se afastou, foi-os seguindo sempre como um cachorrinho tímido, e inclusive chamou outras. Ao vigésimo sexto dia deram com umas boas centenas de garrafas a rodear o barco. Lançaram as redes à água e pescaram algumas. Não eram mensagens de marinheiros que, como eles, houvessem perdido as graças do mar. Eram antes - assegurou-me Halípio baixando a voz - recados do Além: na primeira garrafa que abriram encontraram uma mensagem da mãe do radiotelegrafista, falecida quando este era ainda criança num estúpido acidente doméstico. Na segunda, uma mensagem de um velho amigo de Halípio, desaparecido na guerra, em Moçambique. E por aí fora, sendo que todas as mensagens se dirigiam directamente a cada um dos pescadores presentes no barco. (...)

- Xerto. Era como se o mar estibexe xeio de bojes.

O que querem? Mesmo a falar Halípio Onrado erra a ortografia. Os mortos requeriam nas suas mensagens pequenos favores dos vivos, e a indulgência da sua memória, desculpavam-se por episódios passados, esclareciam outros. Os pescadores estavam tão esfomeados que se alimentaram das mensagens, cozinhando-as com um pouco de água da chuva. Halípio guardou apenas um bilhete da avó, no qual esta lhe transmite a receita dos famosos bolinhos de bacalhau (...). Halípio mostrou-me o bilhete. Um papel amarelo. Tinta azul, um pouco desbotada. Arrancou-mo das mãos antes que eu conseguisse ler o segredo. Os bolinhos são maravilhosos, acreditem: uma receita do outro mundo.


José Eduardo Agualusa, Barroco Tropical (Dom Quixote, 2009)

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