04/11/2009

Suspiro de saudade



Scabiosa turolensis Pau

Pelo seu tamanho diminuto e pelas vicissitudes que tem padecido, esta planta bem pode fornecer o material didáctico para uma aula de história natural dirigida ao público infantil: a extinção explicada às crianças. Restrita à Península Ibérica e a Marrocos, as suas únicas populações portuguesas conhecidas encontram-se no Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros. Prados rupículas calcários é como é descrito no jargão científico (ficheiro pdf) o tipo de habitat favorável à planta. Quer isto dizer, no linguajar comum, um local com muita pedra calcária entremeada com vegetação rasteira, tal como é o vulgar encontrar nessas serras do centro do país. Mas a Scabiosa turolensis nada tem de abundante mesmo onde as condições de vida se adequam à sua índole; e, a agravar o problema, a casa que seria a sua tem sido devassada com parques eólicos. O único exemplar que avistámos, com flores quase murchas, morava a escassas dezenas de metros de uma das amplas vias de terra batida que foram cortadas a direito para facilitar o acesso às gigantescas ventoinhas. Se, nos próximos anos, regressarmos ao local, o mais provável é que a planta já lá não viva. Terá sido só mais uma vítima daquilo a que nós, adultos, para tornarmos suportável a culpa que carregamos, chamamos o factor antrópico. (Fim da lição.)

O género Scabiosa, com cerca de 80 espécies, distribui-se da Europa à parte mais ocidental da Ásia, e faz ainda breves incursões a África. São herbáceas vivazes: a parte subterrânea da planta mantém-se viva, enquanto que a parte aérea se vai renovando de ano para ano, desaparecendo por completo no Inverno. Em Portugal, da Ria de Aveiro para sul, é muito frequente a Scabiosa atropurpurea, planta empertigada que pode ultrapassar um metro de altura; a S. turolensis, por seu turno, é rasteira, com hastes florais por vezes prostradas que se ficam pelos 20 a 30 cm de comprimento. À semelhança do que sucede com as asteráceas, aquilo a que chamaríamos flor é na verdade um capítulo composto por muito florículos; no caso da Scabiosa, essas pequenas flores têm cinco pétalas e são ainda mais diminutas no centro da inflorescência.

Scabiosa provém de scabies, palavra latina que significa sarna. Diz-nos Stearn que o facto de a planta ter folhas rugosas, como se tivessem sido atacadas pela doença, terá sugerido a ideia de que ela poderia ser usada no seu tratamento - tanto em bichos como em pessoas, suponho. É o mesmo princípio que inspirou esta amostra de sabedoria tradicional que a prática da vacinação veio consagrar: mordedura de cão trata-se com pêlo do mesmo cão.

2 comentários :

Anónimo disse...

Gostei de conhecer o "suspiro" da nossa saudade...Nunca pensei que fosse assim.
Este blog continua a ser óptimo .Aprende-se sempre muito sobre a natureza dos sentimentos.

Paulo Araújo disse...

Obrigado pelo comentário. O nome foi meio inventado, pois a planta parece não ter designação conhecida em português. Mas a Scabiosa mais vulgar, que menciono no texto, é umas vezes chamada suspiro e outras saudade. Não me pareceu mal combinar os dois nomes para uma planta parecida com essa que qualquer dia não existe.