17/11/2006

Hospedaria Carvalho



No Bom Jesus do Monte, em Braga, há carvalhos carregados de séculos. Já não seriam jovens quando, há mais de 150 anos, Camilo os visitava em estirados passeios a cavalo, recolhendo cenários e peripécias para as suas novelas; agora que os visitantes chegam de carro aos milhares e as árvores exóticas dominam o parque, os carvalhos caminham para a decrepitude. Que fosse ao menos uma velhice sossegada, um lento decair para a morte; mas a pelo menos dois deles a natureza e a negligência dos homens negaram esse santo fim, obrigando-os a carregar hóspedes indesejados que lhes sugam a seiva já escassa. Trata-se de uma forma de parasitismo a que podemos achar graça no caso da palmeira empoleirada no choupo, árvore que mesmo sem tal apêndice teria sempre vida curta; mas é uma indignidade fazer dos veneráveis carvalhos do Bom Jesus simples porta-enxertos para espécies menos nobres. No tronco de um deles (foto da esquerda) germinou um pinheiro que atinge já envergadura respeitável: a cada dia que passa este centauro arbóreo é mais pinheiro e menos carvalho. Mas o pinheiro é pelo menos uma árvore da nossa flora; ao outro hospedeiro involuntário saiu-lhe em sorte um falso-incenso (Pittosporum undulatum), árvore australiana de vocação expansionista. Vegetando este carvalho no jardim central à frente do hotel, compreende-se mal que os jardineiros não tenham atalhado o fenómeno à nascença. Talvez tenham até gostado do efeito, o que só revelaria um senso estético embotado.

1 comentário :

MaD disse...

O texto comove-me e a agonia dessas árvores choca-me.
Mas os anos, também para elas, não perdoam...